Escrever é muito bom,
é processo trabalhoso;
mas a Arte diz o tom
do que é mais proveitoso;
e mesmo quem não tem dom,
acha-se um pouco famoso.
2) Imagem, roupagem
Acho bonito
o escritor,
que, com a
mão, desliza a pena,
em folha
grande ou pequena,
onde escreve
com primor.
Pensativo ou
pensador,
contempla a
Sabedoria.
Imito a sua
mania
de andar com
uma caneta
(ou lápis) e
caderneta,
rabiscando
uma poesia.
3) Hora marcada
É bonito o
seu vagar —
sentado em
uma cadeira,
pegando na
algibeira
seu relógio,
e marcar
o momento de
parar
a escrita de
um romance —
por temer
que a Hora avance
e ele chegue
atrasado
ao baile que
foi marcado,
sem achar
mais com quem dance.
4) Boa impressão
Dançar
sozinho, acho feio.
Mas, no caso
do escritor,
"invento
que é um 'ator',
encenando
ali, no meio:
que, em
passes de devaneio,
no salão,
vai se encontrar
com a dama
que vai chegar;
em romance,
está pensando...
e a moça,
quase chegando,
antes
do show começar".
5) Águia de livraria
Ao entrar na
livraria,
é águia
junto à estante.
Junto à mesa
circulante,
não quer uma
companhia!
Puxa a
cadeira vazia
e vai se
sentar sozinho.
Não quer
saber de vizinho
que gosta de
conversar
porque pode
atrapalhar
seu voo que lhe abre caminho.
6) Peixe de aquário
Mexendo na
escrivaninha,
muda o
quarto e o cenário!
Como peixe,
no aquário,
não escuta
campainha,
não sabe
onde é a cozinha
(nem se
lembra de comer).
Sua água de
beber
vem de
caneta e tinteiro;
e o alimento
caseiro
é o tema que
escrever.
7) Traços intelectuais
O escritor não precisa
sempre estar meditativo.
Importa ser criativo,
conhecer o que analisa;
saber fazer a divisa
entre o errado e o certo;
deixar o tema em aberto
— na hora do arremate —,
suscitando o bom debate
por quem o
lê mais de perto.
8) Usando a caneta
A caneta que escreve
é, do corpo, uma extensão:
reproduz opinião
ou carta que alguém leve...
A sua tinta não deve
servir para um malfeitor.
Logo, quem for escritor
sinta amor pela caneta
e, com mesma, não cometa
ato feio ou sem valor.
9) Dando vazão aos papéis
Escrevo por compulsão,
pois não consigo barrar
a enchente de uma vazão
que chega sem me avisar.
Tanto papel enche a mão
que é preciso esvaziar:
em verso, prosa ou canção,
eu tenho de transformar.
10) TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo)
Meu "transtorno" de escrever
é "compulsivo", constante.
Mas também é estimulante
que me "toca" e dá prazer.
Gosto de ter e fazer
uma base construtiva
com uma via alternativa
que, aos outros, também agrade.
Essa "obsessividade"
é fase contributiva!
11) Inveja virtuosa
Invejo o grande escritor,
querendo ser o que ele é.
"Inveja de boa-fé
suscita digno valor."
Até um grande cantor
imita outro, famoso.
Eu, como bom invejoso,
assim também me engrandeço
ou, pelo menos, pareço
um aprendiz virtuoso.
12) Estilo e assunto
Aprendi a escrever
de um jeito que acho bonito
e a cada dia, exercito
o que estou a conceber.
Antes procuro escolher
um assunto que domine
ou, se não, que alguém me ensine;
dou forma com um novo estilo;
toco, retoco, burilo,
para que abaixo, eu assine.
13) Autoria responsável
Então assumo a autoria
com responsabilidade.
"Autor e autoridade"
guardam esta parceria:
com a própria ideologia,
que, para uns, é viável;
para outros, condenável;
e sobre a qual, ele opina,
tem mais moral quando assina
como autor, mas, responsável.
14) Ser lido e cultuado
Ser lido é gratificante.
É mais do que pagamento:
é o reconhecimento
de um espírito longe e pensante.
Cada leitor é um "viajante
nas ideias" do autor;
talvez, admirador
se gostar do conteúdo;
em geral, em pouco ou tudo,
é um, do outro, cultor.
15) Estado unido
Escritor, eu te imito
“como Bilac, ao ourives”¹
por esse estado em que vives
sempre unido ao teu escrito.
Chegas a ficar aflito —
enquanto estou corrigindo
teu livro, que está "saindo"³
com base, fontes, doutrinas
sobre o tema que dominas
e ainda estás concluindo...
Nota:
¹ Alusão à estrofe do poema Profissão
de fé, Olavo Bilac:
“.................................................
Invejo o ourives quando escrevo:
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto relevo
Faz de uma flor.
................................................."
² saindo: ficando pronto.
16) Quinteto
Escritor e revisor,
poeta, ourives e flor —
todos juntos no Amor
pela arte de escrever.
Neste momento, eu prometo
ser parte desse quinteto
para o qual eu me remeto
sem nunca me arrepender.
17) Imortais
Escritores atravessam
muitas vidas, gerações,
com as suas cogitações
que, aos homens, interessam.
Produtivos, não se apressam,
criativos ou viris.
Retumbantes ou sutis,
são por um tempo esquecidos
mas, tempo depois, são lidos
por leitores juvenis.
18) Abstração e metafísica
A beleza do escritor,
a mais pura ou mais inata,
é metafísica, abstrata,
qual seja a de um criador,
músico ou compositor
com a sua alma inspirada.
Pode vir do muito ou nada
e "enfeitar"* quase tudo:
vergel¹, vergôntea² e veludo,
Ipiranga³ e Pátria Amada**...
Notas:
*Enfeitar com a caneta, escrevendo sobre os tópicos.
¹Vergel: 1) terreno
onde se cultiva árvore frutífera e planta ornamental; 2) jardim, horto. Do
latim: “verde”.
²Vergôntea: 1) ramo da
videira. 2) ramo fino de árvore ou arbusto; rebento, broto. 3) figurado: filho,
descendente, prole. 4) peça de madeira, própria para se fazer mastro, verga
etc. Do latim: “moita de varas, rebento”.
³Riacho Ipiranga, em São Paulo.
**Brasil.
19) “Livro que fala”
Cada escritor erudito
“é um ótimo livro que fala”,
quando a sua voz propala
ensino que já foi dito.
Interpreta sem dar grito
Bíblia, mitos, contos, fadas...
traz novas versões criadas,
reproduzindo as antigas.
E assim vai mantendo as ligas
com “as conversas passadas”.